sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Decante Kant

Cuidado, arautos da ética, vocês não existem. a ética não tem arautos.
Pelo menos não para Kant, o cara dos imperativos categóricos.* A diferença crucial entre ética e direito é que os deveres jurídicos podem ser impostos à força. Os deveres éticos tem a ver com os fins que uma pessoa coloca para si. Se você tem um dever ético, ele é um dever para você mesmo. ninguém pode te obrigar. 

mesmo que seja um dever ético de alguém, digamos, ajudar os outros. se ele faz isso porque alguém o obrigou, não se trata de ética. pode ser força, ou outra coisa que o valha, tipo direito, mas não é ética. É questão de auto-governo, para os fins que tem nessa vida. uma pessoa obrigada a ajudar os outros não está sendo ética, está sendo coagida, ora-bolas. 


*que nem são tão categóricos assim. muita gente pensa que Kant é o cara da lei, a ser seguida a ferro e a fogo, quase superegóico. acontece que a palavra categórico, no português de hoje, denota uma ordem, mas não é disso que Kant falava. é algo ao qual você não tem alternativa, você não pode falar sim ou não, você simplesmente o faz, porque está de acordo com seus princípios. isso não quer dizer, por exemplo, que não existam ocasiões particulares onde as máximas não nos vinculem como categóricas.

Sonhos e Saberes


1. ideia de sonho, pois bem, em Freud: realização de desejo; pulsão que liga aos representantes possíveis, de maneira quase amebesca, que ambíguam e codificam. É a loucura que a gente costuma viver.  No sonho, em um momento você está em casa, mas agora, ao abrir a porta que dá pra rua existe um rio. Ao redor do rio, os velociraptors e uma figura que é seu avô, depois não é seu avô, depois é o Lênin. Enfim, qualquer coisa, desde que represente outra coisa que aquilo que o inconsciente queria representar, e de alguma forma ainda ligado a isso, um código, né?



Posso até tentar fazer  narrativa, mas ela ainda não é exatamente o que é. Por incrivel que pareça, o sonho é um fenômeno inconsciente até mesmo no sentido descritivo, quer dizer, mesmo que você ache que o controla, na real, não. Tanto que a gente só lembra dos sonhos em uma ocasião, que é quando a gente os tem logo antes de acordar. Podemos sonhar várias vezes durante a noite, mas somente lembramos dele quando nossa consciência vigil o pega em flagrante fazendo seja lá o que ele faz.



2.que bela satisfação é saber das coisas. É tanto assim, que temos disciplinas voltadas à construção de um saber que é só pela vontade de saber. Quando não temos isso, temos algo melhor, Deus por exemplo, ou um mito. Mas saber é o melhor, questão de domínio que não é tão distante , é lógico, do prazer de dominar. você pode dominar um assunto como a humanidade dominou o fogo, o que não impede que Brasília seja tomada de quando em quando pela névoa seca, que é a fumaça que rola por aí das queimadas, com um bando de poeira.



Tinha uma época aí que se valorizava muito este tipo de satisfação que era um insight. Você via as coisas e uma iluminação, isso fazia sentido. Você pode chorar ou rir, mas mudar mesmo, bem... aí é que pode ficar mesmo difícil de largar, porque pelo menos agora tem explicação. É uma coisa de certa função do saber que nos deixa ignorantes para tudo que é não saber. Dizendo com todas as letras: uma psicoterapia muito explicativa pode aprofundar mais no sofrimento.



3. O sonho é uma organização do saber. A neurociência aponta para sua importância na aprendizagem. se você quer aprender, durma bem. Muita coisa é fixada no cerébro por este processo que chamamos de sonho. Um dia ruim, por causa do sono, pode virar o dia seguinte. Um dia ruim, por causa do sonho, pode ser bem aprendido como uma aula de física.



O sonho codifica. se o deciframos, como em uma psicanálise, coisa curiosa, é um saber que faz revelar este saber inconsciente, é saber saber, e o dia ruim volta em seu frescor, digamos, esquecido. A gente sabe das coisas que a gente esquece?