quarta-feira, 4 de março de 2015

rigidez psicológica, um conceito mais ou menos atual

Ao falar de questões que se passam nas relações entre o desenvolvimento emocional e o o desenvolvimento intelectual, Merleau-Ponty apresenta uma tese de que diversos componentes da nossa inteligência são desenvolvidos a partir de relações afetivas. Ele estava falando de coisas no domínio da psicologia, inclusive localizando esse saber com o intuito de não torná-lo totalizante. A psicologia o interessava na medida em que por meio dela se podia discutir algumas questões da sociologia para além do fato social e da filosofia para aquém das grandes categorias. Ele até coloca que o conhecimento, no sentido da intelecção, é mais da ordem do efeito que de causa.

Eu mesmo tenho algumas questões com a psicologia, porque o logos do psi é uma noção um tanto quanto complicada pelo mesmo motivo que foi exposto acima: conhecimento é mais efeito do que causa, especialmente no que tange ao psi. No entanto, os problemas que a psicologia pode vir a por são muito interessantes, desde que junto exista uma reflexão que a ultrapasse, como a sociologia por exemplo, e foi isso que realizou o Merleau-Ponty em suas aulas na Sorbonne, que são quase como um curso de psicologia crítica. Tá sendo ótimo  lê-lo, quase como voltar às salas de aula onde fiz meu curso, mas com um professor de filosofia falando de psicologia.

Nesta problematização da psicologia ele fala dessa inter-relação (desenvolvimento emocional e desenvolvimento intelectivo) a partir de um exemplo, o da rigidez psicologica tal qual descrita pela Frenkel-Brunswik(1949). Esse estudo trabalhava a partir dos métodos projetivos, que pressupõem que a personalidade exprime-se no modo de estruturar os dados sensíveis, ou em bom português, a gente percebe as coisas de acordo com o que somos.  A rigidez pesicologia é a atitude dos sujeitos que "a respeito de todas as questões dão respostas simples, sumárias, diretas e sem matizes e que estão pouco dispostos a reconhecer fatos discordantes". Bem, isso parece com muitas atitudes pela internet. São sujeitos em geral tradicionalistas que teriam uma personalidade muito dividida, que quando vão falar dos pais se atém apenas aos seus traços exteriores, com medo de neles descobrir imperfeições em profundidade.

 Aqui quase cito o texto do Merleau Ponty: "Agressividade reprimida contra os pais. Esses sujeitos evitam toda ambiguidade e procedem por dicotomia (dilemas limpeza/sujeira, obediência/autoridade, virtude/vício, masculinidade/feminilidade). (...) As familias dessas crianças são, em geral, autoritárias e frustantes. A criança faz uma dupla imagem de seus pais: uma, abençoada, que aparece em primeiro plano; outra agressiva, que se oculta profundamente." A ligação desta questão afetiva com a percepção se daria em visões das coisas sumárias nesse sentido:

"As pessoas se dividem entre os fortes o e os fracos"
"Os professores deveriam dizer aos alunos o que tem que fazer em vez de perguntar o que desejam."
"Só existe uma maneira de fazer bem alguma coisa."

Todos os exemplos são do próprio Merleau-Ponty. Ele diz que isso não é ligado apenas a certas opiniões, porque o sujeito pode ser liberal, mas de um modo absoluto e abstrato: "todos os homens são idênticos, sobre todos os pontos de vista." O que faz a diferença não é você adotar tal ou tal tese (seja abolicionismo penal ou ser a favor da criminalização do aborto) mas a maneira como se adota, como se justifica, e como se ater a ela.

O que é interessante é que o argumento fica problemático se pensarmos em personalidade, até porque uma categorização como essa pode atrapalhar em ver as muitas nuances presentes, bem como dicotomiza, o que pode deixar o estudo como objeto dele mesmo, hehe. é um estudo um tanto rígido, mas pelo fato mesmo que ele não é "tudo de ruim" coloca a gente para perceber que muitos dos conflitos de percepção de mundo tem por fundo também certa questão com a afetividade própria a cada um.

A Melanie Klein, psicanalista que ela era coloca o problema lado a lado com outros conceitos: Ambivalência, que diz respeito fazer, quanto a um mesmo ser, duas imagens alternativas, uma boa e outra má, que não são vistas como fazendo parte de um mesmo objeto. Ou seja, bom e mau separados, não podendo estar no mesmo sujeito. Ambiguidade, que é algo da vida mais nuançada dos adultos, diz respeito a perceber duas imagens, mas que fazem parte do mesmo objeto.

Trazendo isso de outra forma: para perceber os objetos divididos, incompletos, não-todos, é necessário ver que os referentes são não tem uma característica apenas. Bom e mal não fazem parte do referente, são apenas nosso julgamento.