terça-feira, 6 de outubro de 2015

uns dois

É uma leitura ainda começando mas já penso que:

Se  Il y a de l’Un quer dizer não que o Um exista como tal, isolado, o universo. tem mais a ver com trazer do um como incontável. Não é "Há o um", é "há do Um", como se o um tivesse mais a ver com manteiga ou água do que uma bolacha ou uma cadeira. Pode-se, talvez, pensá-lo mais como um artigo do que um numeral. O artigo não se conta, tanto que o plural de um não é dois ou quatro, mas "uns". Numero engraçado esse, que você pode por no plural. os outros números, só dá para colocar no plural se você quiser falar deles escritos, dos algarismos, aí dá pra falar cincos, trezes, etc..

Mas no "uns" que a coisa fica interessante, porque o um não é necessariamente único. dá falar nele, como afirmei acima, na ordem do incontável. A afirmação nas fórmulas da sexuação, de dizer "ao menos um" quer dizer que podem haver uns, se passarmos para além do mínimo. Será que dá para falar do um à maneira de Heráclito, que tudo se reune no um, se formos seguir a idéia do Lacan? Sim, mas desse um tem um monte, e não sei se vão se dar muito bem, uns com os outros. 

O engraçado é que ao dizer uns, aparece como que uma recusa em contar, como se do um não se seguisse necessariamente dois e depois três. Aí a gente começa a falar do um, para além da unidade que o faz, cria um todo que não é feito de todos. Enfim, mesmo trazendo a noção de conjunto, o que fica de dentro e o que fica fora, aparece a possibilidade que tomar o conjunto por uma unidade é voltar ao mesmo problema. O Um fica maior, mas ele ainda é só um, como diria o menino para o valentão.   

Enfim, 



quarta-feira, 4 de março de 2015

rigidez psicológica, um conceito mais ou menos atual

Ao falar de questões que se passam nas relações entre o desenvolvimento emocional e o o desenvolvimento intelectual, Merleau-Ponty apresenta uma tese de que diversos componentes da nossa inteligência são desenvolvidos a partir de relações afetivas. Ele estava falando de coisas no domínio da psicologia, inclusive localizando esse saber com o intuito de não torná-lo totalizante. A psicologia o interessava na medida em que por meio dela se podia discutir algumas questões da sociologia para além do fato social e da filosofia para aquém das grandes categorias. Ele até coloca que o conhecimento, no sentido da intelecção, é mais da ordem do efeito que de causa.

Eu mesmo tenho algumas questões com a psicologia, porque o logos do psi é uma noção um tanto quanto complicada pelo mesmo motivo que foi exposto acima: conhecimento é mais efeito do que causa, especialmente no que tange ao psi. No entanto, os problemas que a psicologia pode vir a por são muito interessantes, desde que junto exista uma reflexão que a ultrapasse, como a sociologia por exemplo, e foi isso que realizou o Merleau-Ponty em suas aulas na Sorbonne, que são quase como um curso de psicologia crítica. Tá sendo ótimo  lê-lo, quase como voltar às salas de aula onde fiz meu curso, mas com um professor de filosofia falando de psicologia.

Nesta problematização da psicologia ele fala dessa inter-relação (desenvolvimento emocional e desenvolvimento intelectivo) a partir de um exemplo, o da rigidez psicologica tal qual descrita pela Frenkel-Brunswik(1949). Esse estudo trabalhava a partir dos métodos projetivos, que pressupõem que a personalidade exprime-se no modo de estruturar os dados sensíveis, ou em bom português, a gente percebe as coisas de acordo com o que somos.  A rigidez pesicologia é a atitude dos sujeitos que "a respeito de todas as questões dão respostas simples, sumárias, diretas e sem matizes e que estão pouco dispostos a reconhecer fatos discordantes". Bem, isso parece com muitas atitudes pela internet. São sujeitos em geral tradicionalistas que teriam uma personalidade muito dividida, que quando vão falar dos pais se atém apenas aos seus traços exteriores, com medo de neles descobrir imperfeições em profundidade.

 Aqui quase cito o texto do Merleau Ponty: "Agressividade reprimida contra os pais. Esses sujeitos evitam toda ambiguidade e procedem por dicotomia (dilemas limpeza/sujeira, obediência/autoridade, virtude/vício, masculinidade/feminilidade). (...) As familias dessas crianças são, em geral, autoritárias e frustantes. A criança faz uma dupla imagem de seus pais: uma, abençoada, que aparece em primeiro plano; outra agressiva, que se oculta profundamente." A ligação desta questão afetiva com a percepção se daria em visões das coisas sumárias nesse sentido:

"As pessoas se dividem entre os fortes o e os fracos"
"Os professores deveriam dizer aos alunos o que tem que fazer em vez de perguntar o que desejam."
"Só existe uma maneira de fazer bem alguma coisa."

Todos os exemplos são do próprio Merleau-Ponty. Ele diz que isso não é ligado apenas a certas opiniões, porque o sujeito pode ser liberal, mas de um modo absoluto e abstrato: "todos os homens são idênticos, sobre todos os pontos de vista." O que faz a diferença não é você adotar tal ou tal tese (seja abolicionismo penal ou ser a favor da criminalização do aborto) mas a maneira como se adota, como se justifica, e como se ater a ela.

O que é interessante é que o argumento fica problemático se pensarmos em personalidade, até porque uma categorização como essa pode atrapalhar em ver as muitas nuances presentes, bem como dicotomiza, o que pode deixar o estudo como objeto dele mesmo, hehe. é um estudo um tanto rígido, mas pelo fato mesmo que ele não é "tudo de ruim" coloca a gente para perceber que muitos dos conflitos de percepção de mundo tem por fundo também certa questão com a afetividade própria a cada um.

A Melanie Klein, psicanalista que ela era coloca o problema lado a lado com outros conceitos: Ambivalência, que diz respeito fazer, quanto a um mesmo ser, duas imagens alternativas, uma boa e outra má, que não são vistas como fazendo parte de um mesmo objeto. Ou seja, bom e mau separados, não podendo estar no mesmo sujeito. Ambiguidade, que é algo da vida mais nuançada dos adultos, diz respeito a perceber duas imagens, mas que fazem parte do mesmo objeto.

Trazendo isso de outra forma: para perceber os objetos divididos, incompletos, não-todos, é necessário ver que os referentes são não tem uma característica apenas. Bom e mal não fazem parte do referente, são apenas nosso julgamento.
 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A psicanálise no gerúndio.


Depois de escrever o texto sobre o texto do Dunker, eu fiquei pensando... Lacan dizia que o lugar de onde ele falava seu seminário era de analisando. Existe toda uma discussão sobre o lugar do analista e quanto mais eu me detenho nisso, percebo que o lugar do analista tem a ver com a sustentação ou de um silencio ou algo como um tuíte, meio curto e grosso, só para o analisando sair do lugar e continuar seu caminho de associação.

Quando a psicanalise começou quem falava era a histeria. O próprio Freud tirava suas ideias de sua auto-análise. o analista de Freud, ele não existia, mas a necessidade de haver um, quando se fala em análise, fez algumas pessoas conjecturarem que podia ser o Fliess, ouvinte crítico e amigo. Um sujeito mei loco, que tinha umas idéias de uma ligação entre sexualidade e nariz, e dizia que as pessoas tinham uma bissexualidade inerente. Esta última ideia, Freud retomou doidamente e radicalmente. O lugar da escrita da teoria psicanalítica é do analisando. o que o psicanalista faz não é exatamente teoria, apesar de ter um papel fundamental em seu desenvolvimento.

Em francês existe uma maneira de falar as coisas que não é exatamente igual no português, mas tem lá suas reverberações, tanto que eu acho que consigo explicar aqui. Analista não é contável, como você conta maçãs: uma maçã, duas maçãs... Analista, por ser um lugar, é incontável, é que nem água. Você não conta uma água, duas águas... ( a não ser que você esteja falando metonimicamente de copos de água) Você só diz: água. Em francês: Boire de l'eau. Em português seria algo como; vou beber da água. Daí, analista não seria um analista, mas sim uma parte numerável em si, mas apenas numerável como parte. Parece complicado, mas isso tem a ver com problemas de tradução e coisas que ocorrem ao pensar esse lugar curioso que é o do analista.

Ainda bem que em português temos como dizer isso de forma que francês nenhum pode dizer (sem esforço), porque temos o verbo estar. Você não é analista, você está analista. Até por colocar em jogo um certo des-ser, o verbo estar pode ser interessante para descrever. Engraçado, como se trata de um des-ser, a gente poderia dizer, em português, que para estar analista é importante descer do tablado.

Quanto a questão do analisando, cabe dizer que se fazer fazer teoria, burilar nas formações do inconsciente, incomodar-se com isso ao ponto de eliciar pensamento, é estar no lugar de analisando, mesmo que você tenha "atravessado a fantasia"(como dizem). Como tal, cada uma das formulações nesse lugar são no máximo provisórias e com necessidade de constante revisão. Vamos se falando.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Comentário do texto do Christian Dunker “Bolsonaro, deita aqui no meu divã”


Já digo desde já, que se alguém quiser entender o que estou dizendo, leia o texto do link acima

Bolsonaro é um sujeito muito palha, acho ele um canalha. A pergunta se põe a mim da mesma maneira que se coloca ao Dunker: o que fazer?    No entanto não acho que o que se tenha a fazer esteja relacionado à psicanálise, pelo menos não diretamente. A psicanálise aí, viria por acréscimo, talvez eu indo pro analista para eu entender porque tanta raiva do Bolsonaro. Fazer análise não necessariamente me faria ter menos raiva dele, talvez apenas direcioná-la melhor.

Há diversas perguntas que se colocam no texto: O que fazer? Parece pouco? Que são quase que tomadas pela decisão ou pelo dever de fazer algo. Compartilho desse sentimento, mas sei que esse é um dever moral que nos vem quando vemos algo que julgamos errado: há algo que podemos fazer para evitar essa violência? Às vezes isso vem com o velho prazer de fazer alguma maldade a quem faz o mal, como prender ou dar uns tapas mesmo. Aliás, o que é engraçado, parece que alguns desses sentimentos movem o Bolsonaro, e é nesse espelho que é interessante analisar os nossos.  Acho que seria muito legal, entre outras coisas, mostrar a desumanidade das palavras e atos do deputado para que seja possível ver que esse bom que ele defende não é tão bom assim. Para isso não precisa por o bom do nosso lado por completo, basta complexificar o discurso porque as coisas são complexas.   

Mas a cada uma das sugestões, uma pergunta se impõe: parece pouco?

 E o que parece muito? Se não quisermos ser iguais ao Bolsonaro, é melhor reconsiderar nossa própria raiva e o que podemos fazer a partir dela.  

É engraçado, para dizer o mínimo, que Dunker afirme primeiro a posição esquizo-paranóide Kleiniana, que enfatiza a cisão ente bons e maus para logo depois, no parágrafo seguinte afirmar uma posição que informa o mundo da mesma maneira: os universalistas e particularistas. “Eu sou universalista e você particularista, seguimos filosofias diferentes, não dá pra conversar porque  você não compreende a ‘essência do sujeito’(sic) como sendo fundamentalmente esta: vazio e dividido.” Opa, que palavras pesadas, quanta identidade do analista, com um universal ainda por cima. Não quero me arriscar tanto pelo térreno árido da filosofia, mas não vejo necessidade alguma da psicanálise de afirmar universal algum, mesmo que seja este universal negativo: “todo x é não todo”. Ora, afirmar “não todo x é não todo”, é igualmente válido, a depender das contingências. Afirmar as contingências é apontar para o não-todo, incluindo aí a enunciação de um universal. Esse tipo de conversa nos leva ao doce pássaro do paradoxo, que aparece para a gente ter cuidado com os enunciados, vermos os limites do espírito, nos determos mais na analise da enunciação que do enunciado. Por exemplo: o que implica haver uma pessoa que capture algo de universal com seu pensamento? O que isso equivale em termos de saber-poder?  

Esta cosmovisão é tão contingente quanto qualquer identidade sexuada. Por perceber que o contingente opera no discurso dos psicanalistas que podemos falar de psicanálise. O lugar do analista não implica uma visão de mundo, mas uma destitução do sujeito.  Ser um sujeito implica ter uma visão de mundo até porque esta é a máscara necessária para que este não se eclipse. Ainda assim há que se dizer que o sujeito não é isso, porque há o inconsciente e ele está aí para que essas visões de mundo sejam sintomáticas, ou que sejam desmentidas de quando em quando, ou para servir de base inconfessa, enfim, muitas configurações possíveis.

Um dos meus problemas com o texto do Dunker é a forma de pensar psicanálise e política. Lógico, dá pra fazer uma crítica bastante agressiva, porque paternalizante, se você se colocar como analista para falar do comportamento público de alguém. É uma vingança perfeita, mas como diria o seu Madruga, “mata a alma e envenena”. O que é envenenado aqui é a própria psicanálise e seus propósitos.  É engraçado e me percebo agora, é que nada impede de você querer fazer a mesma coisa com quem se  arroga de analista para falar do comportamento de alguém. Espero estar escrevendo este texto no máximo como analisando pensando a psicanálise. Ninguém é analista o tempo todo. Alguns tem dificuldade de se ver fora do lugar de analista. Psicanálise pode ser benéfica para qualquer um, não para todos. Nem todo mundo se beneficia da psicanalise.